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A Revolução Russa

    No início do século do século XX, o Império Russo era um Estado relativamente atrasado, com uma pequena população, se comparada ao seu enorme território. O governo do Império dominava cultural e politicamente uma grande quantidade de povos com diferentes origens, todos dentro da gigantesca área controlada por ele. Era uma Monarquia Absolutista de direito divino, ou seja, um regime onde o Czar (Imperador) tinha enorme poder e era considerado um escolhido de Deus, o que legitimava as suas ações. A mesma dinastia, a Romanov, estava no poder desde o século XVII, e era apoiada pela nobreza, clero e forças armadas. 

    Os investimentos industriais russos eram financiados, principalmente, por capital estrangeiro, o que tornou a burguesia russa fraca e dependente de seus sócios do exterior e dos favores do Estado Imperial. Nesse contexto, 80% da população russa ainda vivia no campo, em condições semelhantes à servidão da Idade Média, explorada por uma pequena maioria rica e detentora das propriedades e exposta a eventuais doenças e crises de fome. Diversas rebeliões camponesas eram reprimidas pelo Czar e, com a criação de pequenos núcleos industriais em grandes cidades, muitas pessoas sem acesso à terra decidiram migrar para essas regiões. Entretanto, as condições nas fábricas não eram muito melhores do que as do campo: os salários eram muito baixos, as jornadas eram exaustivas, a alimentação era ruim e havia alto risco de acidentes. Essas características facilitaram a disseminação das ideias marxistas nesse ambiente.

    Dentro do Império Russo houve a formação de dois importantes partidos políticos: o CADET (Partido Constitucional Democrata), que defendia os interesses da burguesia e queria derrubar o Czar para implantar um Estado liberal-burguês no país, e o Partido Operário Social Democrata Russo, que defendia as ideias socialistas. Dentro desse segundo partido, houve a formação de dois grupos:

Mencheviques: Julgavam que a Rússia ainda não estava pronta para a revolução do proletariado, por não ter uma luta de classes suficientemente acirrada. Por isso, defendiam uma aliança temporária com a burguesia para desenvolver o capitalismo e, depois, atingir a implantação do socialismo pela via eleitoral, já que o proletariado estaria insatisfeito com o governo burguês. Liderança: Martov.
Bolcheviques: Não admitiam qualquer aliança com a burguesia. Julgavam a Rússia pronta para a revolução e queriam fazê-la imediatamente, implantando o socialismo no país. Liderança: Lênin.

    Em 1904, a Rússia envolveu-se em uma guerra contra o Japão e saiu derrotada. O ressentimento com a derrota e uma crise econômica que se abateu sobre o país fizeram com que grande parte da população se revoltasse contra o Czar. Em 1905, ocorreu o episódio que ficou conhecido como "o Domingo Sangrento", em que milhares de pessoas se dirigiram ao palácio do Imperador em passeata pacífica, para entregar-lhe uma petição que pedia melhores condições de vida e trabalho. Entretanto, o Czar Nicolau II pensou que aquilo era um protesto agressivo, fugiu para um esconderijo e ordenou que os guardas de seu palácio reprimissem a passeata com o uso da violência. Assim, o protesto se transformou em massacre e milhares de pessoas inocentes foram mortas. 

    Dessa forma, uma enorme pressão caiu sobre o Czar, que prometeu concessões, como eleições para um parlamento (o DUMA), liberdade civil e reforma agrária, entre outras coisas. Porém, essas promessas não se efetivaram, gerando insatisfação popular geral. Essa sucessão de eventos foi chamada, posteriormente, de Ensaio Geral para a revolução que ocorreria anos depois. Durante esse período também foi criado o primeiro Soviete: conselho ou assembleia de deputados eleitos por camponeses, soldados e operários que buscavam representar oposição ao governo.

    Alguns anos depois desses eventos, em 1914, a Rússia se envolveu na Primeira Guerra Mundial (veja: A Primeira Guerra Mundial) ao lado da Tríplice Entente. Porém, o país não estava preparado para um conflito de proporções tão grandes e passou a sofrer derrota atrás de derrota. O resultado foi uma grande crise econômica no país, levando a população a se revoltar novamente contra o regime do Czar. Em 1917, como consequência de tudo isso, ocorreu a Revolução de Fevereiro. A insatisfação e pressão popular culminaram em greves, manifestações e saques na rua. A população furiosa chegou às portas do Czar e, apoiados pelos próprios guardas czaristas, forçaram sua abdicação. Diante disso, foi criado um Governo Provisório na Rússia, que acabara de sofrer seu primeiro processo revolucionário. 

    O Governo Provisório foi constituído pela burguesia e pelos Mencheviques, adotando medidas democráticas liberais. A liberdade de imprensa, reunião, pensamento e associação foi instaurada, os presos políticos foram anistiados e a jornada de trabalho foi reduzida para 8 horas diárias. Além disso, foi permitida a volta dos exilados para o país. O principal erro do Governo foi a manutenção da Rússia na guerra, o que gerou nova insatisfação popular. Os Bolcheviques, opositores do governo, passaram a ser apoiados pela maioria da população. Os sovietes também se voltaram contra o governo. Lênin, que antes estava exilado, voltou para a Rússia e assumiu o papel de líder da oposição. Ele criou o lema "Todo poder aos Sovietes" e as chamadas teses de abril: "Paz, pão e terra", as três coisas de que o povo precisava.
 
    A nova revolta da população culminou na Revolução de Outubro, liderada pelos Bolcheviques. O soviete de Petrogrado (liderado por Trótsky) derrubou o Governo Provisório, e o Partido Comunista (antes Partido Bolchevique) assumiu o poder. As primeiras medidas do novo governo foram: A saída da Rússia da Primeira Guerra Mundial (assinatura do tratado de Brest-Litovski); abolição da propriedade privada de terra, distribuição das terras da nobreza, do Czar e da Igreja para os camponeses; estatização da economia e da indústria; entrega das fábricas ao controle do proletariado; suspensão do pagamento dos empréstimos exteriores; e igualdade de direitos entre homens e mulheres. Assim, pode-se dizer que a Revolução Marxista foi levada a cabo na Rússia pelo Bolcheviques, e medidas consistentes com o modelo socialista foram implantadas no país.
    
    Entre 1918 e 1922, ocorreu a Guerra Civil Russa. Esse evento foi a tentativa de antigos senhores de terras, monarquistas e burguesia industrial de destruírem a Revolução. O grupo mencionado, que tinha apoio de diversas potências capitalistas, foi chamado de Exército Branco. Já o grupo liderado pelos bolcheviques foi chamado de Exército Vermelho. Durante a guerra, o governo declarou medidas que foram chamadas de Comunismo de Guerra, que incluíam: obrigatoriedade dos camponeses entregarem sua produção ao governo, distribuição de cotas de alimento para a população (racionamento), equiparação dos salários e condenação e execução dos que eram considerados "inimigos da revolução" (o que levou ao assassinato do Czar e sua família). 
    
    A Guerra Civil acabou com o Exército Vermelho vitorioso, mas uma grave crise econômica se abateu sobre o país, gerando enorme fome e pobreza. Além disso, depois desse conflito, foi criada a URSS, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, com a união de países vizinhos ao regime russo. A partir dessa época, os outros países do mundo passaram a adotar uma política de isolamento contra a URSS, chamada de cordão sanitário. Diante da grave crise, Lênin também propôs a criação de uma nova política econômica (a NEP), permitindo a volta de algumas práticas capitalistas para recuperar a economia do país ("Um passo atrás para dar dois à frente", nas palavras de Lênin). A NEP fez com que os camponeses deixassem de ser obrigados a entregar sua produção ao governo, sendo permitida a venda do excedente da produção no mercado interno. Além disso, os salários voltaram a ser diferenciados e foram autorizados o funcionamento de pequenas e médias empresas privadas e a entrada controlada de capital estrangeiro no país.
    
    Depois de sofrer vários AVCs, Lênin morreu em 1924, deixando a vaga de líder do Partido Comunista aberta. Havia dois principais concorrentes ao posto: Leon Trótski e Josef Stalin. Trótski, comissário da defesa, era considerado o sucessor natural, braço direito de Lênin. Stalin era secretário geral do Partido Comunista, e havia concentrado enorme poder em suas mãos em tal cargo. Trótski e Stalin descordavam em um ponto fundamental: Trotski considerava que a sobrevivência da Revolução dependia da disseminação do ideal socialista em outros países, enquanto Stalin acreditava que a Rússia devia se concentrar no desenvolvimento interno da Revolução. Em suas últimas notas ditadas, Lênin recomendava que Stalin não o sucedesse: "O camarada Stalin, uma vez no cargo de secretário-geral, concentrou em suas mãos um poder imenso e eu não estou seguro se ele sabe utilizá-lo com suficiente prudência. [...] Stalin é muito violento, e este defeito [...] é intolerável na função de secretário-geral. Por isso, proponho aos camaradas que encontrem uma forma de transferir Stalin para outra função e de nomear para este posto outro homem que seja mais tolerante, mais leal, mais correto e mais atento com os camaradas, menos caprichoso etc.". Entretanto, essas notas não se tornaram públicas através da influência de Stalin, que acabou sucedendo Lênin. Ao assumir o poder, ele declarou Trotski como inimigo da revolução e passou a persegui-lo. Assim, o ex-comissário da defesa acabou fugindo da Rússia, mas continuou a criticar o regime soviético, até ser assassinado.
    
    O período em que Stalin assumiu o comando da URSS (1927-1953) é chamado de Stalinismo, e envolve uma série de medidas econômicas, sociais e políticas. Esses anos foram caracterizados pelo rigoroso planejamento da economia (planos quinquenais), coletivização da agricultura e industrialização acelerada. As terras dos camponeses foram entregadas ao governo ou tomadas à força, com forte repreensão de quem resistisse. Nas terras tomadas foram criadas, principalmente, as fazendas estatais, onde os trabalhadores recebiam salários baixíssimos e, portanto, não tinham estímulo para trabalharem. Por volta de 1935, cerca de 98% dos camponeses trabalhavam nas fazendas estatais. Mesmo assim, o sistema não funcionou e a Rússia sofreu com grave queda na produção agrícola e sucessivas crises de fome.
    
    A segunda fase do plano econômico stalinista era a industrialização da Rússia. A indústria de base pesada, além do investimento em estradas, ferrovias, metrô e indústrias de automóveis, recebeu os maiores investimentos. A ideia era investir na industrialização com o lucro da atividade agrícola, o que não funcionou, já que a produção do campo diminuiu. Mesmo assim, o país obteve sucesso em seu projeto industrial, tornando-se a terceira potência mundial, atrás dos EUA e da Alemanha. Apesar de produzir toneladas de aço, a Rússia investia pouco na indústria de bens de consumo, comprometendo ainda mais o abastecimento da população russa. 

    Durante o regime de Stalin, foi implantado um Regime Totalitário na Rússia. O governo passou a ser unipartidarista e as eleições eram constantemente fraudadas. Foram proibidas as liberdades de imprensa, expressão, pensamento e associação. Os povos não russos passaram a ser oprimidos dentro da URSS, forçados a seguirem os padrões impostos pelo governo. O Stalinismo tinha dois pilares: o terror e a propaganda. A partir de 1935, começou a ser denunciada a presença de inimigos e sabotadores dentro do Partido Comunista. Os críticos do governo de Stalin passaram a ser perseguidos, condenados e assassinados ou mandados a campos de concentração. Os julgamentos passaram a ser forjados, condenando os considerados "traidores da pátria". Também foi criada a KGB, Polícia Secreta Soviética. O auge do terror foi em 1938, ninguém ousava criticar Stalin. Em contrapartida, a propaganda buscava criar a imagem do líder soviético como um homem culto, competente, amável e preocupado com o povo, sucessor ideal e amigo de Lênin. Nesse período, houve um culto à personalidade de Stalin.  
    
    Apesar da forte repreensão durante o Stalinismo, parte da população foi beneficiada por esse regime. Mulheres tiveram seus direitos garantidos e acesso ao mundo do trabalho, o analfabetismo caiu drasticamente, foi criado um sistema de educação e assistência médica básica e houve a preocupação de se garantir habitação para todos. Apesar disso, o governo de Stalin ficou marcado na história pela subversão dos valores socialistas antes praticados na URSS. Tal deturpação é alvo da crítica de George Orwell (autor que apoiava o socialismo) em seu celebrado livro "A Revolução dos Bichos", que cria uma analogia à Revolução Russa no contexto de uma fazenda inglesa. Vale ressaltar que, durante o Stalinismo, a alta cúpula do Estado Soviético constituiu-se como uma elite privilegiada, contrariando o ideal supremo marxista de igualdade.

    Mais sobre a teoria marxista em: Socialismo, Comunismo e Anarquismo

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